Implementando a prática do Jiyu Kumitê no seu Dojô

 


O treinamento de karatê começa com o kihon e deve findar no jiyu kumitê. Essa é a progressão correta dentro de um ciclo semanal ou mensal de treino.

Infelizmente jiyu kumitê não é uma prática implementada em muitos dôjos onde o yakusoku kumitê ou o shiai kumitê acabam sendo os elementos finais da cadeia metodológica.

Definição

Não há como contornar o fato de que para ser um bom lutador, o praticante deverá passar muito tempo lutando. Esse é um ponto pacifico em praticamente toda arte marcial, embora no karatê haja certa reserva quanto ao fator kumitê.

Jiyu Kumitê é a prática da luta livre, sem regras (não exatamente) no karatê, onde o lutador virtualmente pode usar todo tipo de técnica aprendida no kihon e no kata, incluindo todos as categorias de waza como atemi, nage, kansetsu e por aí vai.

Diferentemente da luta de competição nessa modalidade não há um tempo exato de luta, podendo-se pactuar vários rounds de tantos minutos com intervalos ou um único round longo ou infinito sem previsão de término, entre outras variações.

É um treinamento que procura simular da forma mais próxima possível uma situação real de combate permitindo o contato, embora igualmente garantindo a integridade física dos praticantes para que seja treino e não carnificina.

Objetivos

O objetivo principal desse treino é levar o praticante a aprimorar suas capacidades de ataque e defesa num cenário onde praticamente nada é avisado e tudo é possível.

No jiyu kumitê testamos as técnicas aprendidas e avaliamos até que ponto elas são funcionais, além de aperfeiçoar uma série de elementos que só estão presentes numa luta livre.

Várias qualidades marciais como tempo de luta, noção de distância, senso de oportunidade, controle emocional, rapidez de raciocínio, destreza, mover-se taticamente, entre outras, são evocadas para fazer frente ao desafio e assim se desenvolvem consequentemente.

Nele se trabalham aspectos emocionais e intelectuais que só a imprevisibilidade e a sensação de perigo podem proporcionar, obrigando-nos a usar a criatividade para planejar extensivamente, enganar e testar coisas enquanto encaramos um antagonista que tenta nos desmantelar. 

É no jiyu que você desenvolve sua personalidade de luta, baseado na sua psicologia, seus atributos físicos e preferências.

Executar as técnicas no kihon e no kata é um pouco diferente de executá-las em combate, então, quanto mais você praticar os movimentos na luta, mais claro vai ficar a melhor forma e a mais rápida de soltá-los.

Jiyu kumitê é imprescindível para lutadores de karatê e o que diferencia um simples praticante de um genuíno lutador.

Modalidades

Para fins de evolução e em nome do treinamento, é possível restringir a prática do jiyu kumitê afim de enquadrá-la no princípio da especialização auferindo ganhos em uma determinada classe de habilidades.

Por exemplo: é possível delimitar o tipo de waza buscando um desenvolvimento direcionado, o que nos leva a duas formas de treinar jiyu:

  •     Jiyu kumitê livre: sem restrições. Cada um usa o que lhe aprouver unindo todas as fases do combate;
  •     Jiyu kumitê parcial: restringe-se o combate a determinada classe de waza, forçando-nos  a nos concentrar em fases especificas da luta, como utilizar somente atemi-waza (objetivando desenvolver somente golpes traumáticos), somente nage-waza (objetivando desenvolver somente quedas) etc. outra possibilidade que dá muitos frutos é restringir classes de waza somente em um lutador, como por exemplo, um pode lutar livremente enquanto o outro só pode defender e usar socos, ou chutes, ou qualquer técnica especifica que se queira desenvolver; as possibilidades são inúmeras. O mesmo vale para defesas. É possível limitar a defesa somente a esquivas afim de aprimorá-las, ou somente a bloqueios e assim por diante. A regra é limitar para desenvolver isolando os estágios do jogo e lutar dentro deles.

Preparação

Como permite-se e objetiva-se o contato, alguns cuidados são necessários para não haver lesões graves entre os lutadores e assim tornar a prática contraproducente. O objetivo é o treinamento e não, se machucar.

- Equipamentos

O uso de equipamentos é o mais indicado para que efetivamente possamos testar nossas técnicas com certa intensidade sem a preocupação com lesões.

Praticamente é impossível ter real contato sem uso de equipamentos, e aqueles que contestam a visão, ou vivem lesionados e de cara roxa (coisa que não se vê no karatê!), ou não treinam luta (hipótese mais provável).

Pelo menos três EPI’s são necessários para garantir o mínimo de segurança na luta treino:

- Protetor bucal;

- Luvas;

- Caneleiras.

Podemos acrescentar em iniciantes (no jiyu, não no karatê necessariamente) o capacete e o colete, retirando-se com o tempo o colete e em seguida o capacete (entre avançados é possível continuar seu uso quando pretende-se combates mais intensos), sendo essa política a mais indicada visto que ambos proporcionam uma falsa noção de segurança aumentando o ímpeto no in-fight em detrimento da reserva natural que temos quando se está descoberto.

- Regras mínimas

Sim! Regras mínimas devem ser estipuladas em virtude de ser um treinamento onde segurança é crucial para termos vida longa no karatê. Parece contraditório porém ninguém quer num treino desses furar o olho de um colega, ou esmagar suas bolas ou quebrar suas juntas; não é esse o objetivo, logo, somente o que é extremamente perigoso, deve ser proibido. Para o treino, basta saber que se quiséssemos conseguiríamos aplicar tais coisas.

Em seguida, estipula-se o tempo de luta e casa-se as duplas. O ideal é cada lutador treinar com todo tipo de adversário, sem distinções de categorias de peso e fazendo rodizio entre eles, para uma imersão maior em possíveis situações de luta na rua.

E por último determina-se a intensidade da luta treino que variarão entre leve, moderada e pesada.

·         Leve: é como o nome diz uma luta de contato leve sem uso de força primando-se por “soltar” as técnicas e o jogo com precisão, acostumando o corpo a movimentação típica de combate.

·         Moderada: já existe um contato contundente mas nem tanto, onde os golpes assumem mais uma característica de “tapão”, mas sem peso, sem “enfiar a mão”, levando nosso oponente a perceber que aquele soco ou chute realmente entrou ou esbarrou na defesa.

·         Pesada ou intensa: é onde “o buraco é mais embaixo” já que complica a vida dos praticantes que devem ter equilíbrio e saber que se trata apenas de treino e não disputa de egos. Nessa intensidade, os golpes realmente entram e imprimem peso no alvo sem entretanto ser aquele peso que arrebente a parte atingida. Aqui busca-se fazer o adversário sentir a “porrada” e perceber que se fosse um pouco mais forte, a luta poderia acabar. É uma fase avançada de treinamento e onde o kime deve atuar, sem no entanto lesionar.

- Frequência

O ideal é que uma vez por semana depois de um ciclo completo de treinamento de kihon, kata e kumitê o jiyu finalize tudo. Uma programação ótima e que dá certo é aquela que reúne todos do dojô (naturalmente crianças estão excluídas) nos sábados somente para treino de luta livre, num treino de três horas; Esse é só um exemplo!

- Cuidados

Quando acertamos nosso oponente no jiyu, não objetivamos conseguir um nocaute ou uma lesão, só queremos testar a funcionalidade e o desenvolvimento das nossas técnicas; essa consciência é o primeiro cuidado a ter nessa prática.

Um grande perigo a longo prazo em um treino mal orientado é a conhecida demência pugilística ou Encefalopatia Traumática Crónica (ETC) que é uma doença neurodegenerativa progressiva causada por repetidos golpes na cabeça.

É um grande risco entre lutadores pelo fato do tipo de contato exercido, por isso, o ideal, em nome da saúde, é que a cabeça seja um alvo restrito somente a golpes leves e raramente a moderados (Karatecas bem treinados não terão problema com esse controle).

Outro risco é de a luta-treino descambar em violência por um confronto de egos. Um colega abusa da força, o outro quer revidar e está pronta a receita do desastre. Nesse sentido o Sensei deve estar atento e imediatamente reestabelecer a harmonia entre os lutadores.

Avaliação

Jiyu kumitê é uma ferramenta de treino oferecida pelo karatê. Como tal deverá haver avaliação constante de nossa evolução no sentido de tornar a habilidade marcial funcional, aprimorando acertos e eliminando erros, voltando em seguida a um novo ciclo de pratica num patamar mais alto.

Um bom método é utilizar a seguinte tabela ao final das sessões de luta para quantificar as qualidades de um lutador:

- Critérios:

  • ·         Espírito: a atitude do lutador frente o combate;
  • ·         Constância: a capacidade do lutador em conduzir um combate longo mantendo a qualidade; sua resistência física;
  • ·         Técnica: a forma do lutador;
  • ·         Eficiência: aplicação do karatê;
  • ·         Variedade: número de técnicas utilizadas;
  • ·         Destreza: capacidade de reverter situações difíceis, de corrigir um erro rapidamente;
  • ·         Postura: guarda, olhar, equilíbrio...;
  • ·         Estratégia: tática utilizada.

 

Ruim

Médio

Bom

Muito bom

Espírito

 

 

 

 

Constância

 

 

 

 

Técnica

 

 

 

 

Eficiência

 

 

 

 

Variedade

 

 

 

 

Destreza

 

 

 

 

Postura

 

 

 

 

Estratégia

 

 

 

 

 

OBS:

 

NOME:                                                             DATA:

GRADUAÇÃO:

Essa tabela é só um exemplo de avaliação e pode ser modificada conforme o entendimento do Sensei.

Em seguida, deve-se entregá-la ao Karateca e juntos discutirem afim de ver o que está bom e onde pode-se melhorar.

Assim com esse texto, espero ter ajudado sem em hipótese alguma ter esgotado o tema, aqueles que desejam dar esse passo no ensino do Karatê-Do. Oss.


Implementando a prática do Jiyu Kumitê no seu Dojô Implementando a prática do Jiyu Kumitê no seu Dojô Reviewed by Mathias W. S. Varela on 17:01 Rating: 5

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